quinta-feira, 30 de junho de 2016

Festa e celebração



20 mil lésbicas no deserto: conheça o festival Dinah, um mundo sem homens
13/abril/2016
Ele já foi um campeonato de golfe. Agora, em sua 26a. edição, durante cinco dias o festival para lésbicas Dinah oferece para suas participantes um espaço sem homens e sem pudores









Traduzido da reportagem de Arwa Mahdawi para o jornal The Guardian
Todo ano, no final de março, 20 mil lésbicas de todo o mundo voam para o deserto californiano em busca de cinco dias de devassidão, e eu sou uma delas. Esta é a segunda vez que eu vou para Dinah, também conhecido como o maior festival de mulheres do mundo. Eu estou no Hilton de Palm Springs, onde vão acontecer as famosas pool parties da Dinah, e o hotel parece um harém homossexual.

É uma experiência surreal: por alguns dias, o mundo fica de pernas para o ar, a minoria de repente é a maioria. Para onde quer que você olhe, as lésbicas estão sorrindo, bebendo, dançando, beijando. Há alguns homens por perto – funcionários trabalhando no evento e caras que foram arrastados como acompanhantes por amigas lésbicas – mas eles são difíceis de encontrar. O público presente formado por lésbicas quase na totalidade.

A festa tem esse nome por causa do torneio de golfe Dinah Shore, que em 1972 teve sua primeira edição, inaugurada pela artista de mesmo nome. Dinah Shore não era homossexual (e se reviraria em seu túmulo se soubesse a que seu nome está associado hoje em dia), mas o golfe parece atrair muitas lésbicas. A cena sáfica brotou em torno do torneio de golfe, e o Dinah nasceu. O festival está agora em seu 26o. ano.

Hoje em dia, ninguém mais está presente por causa do golfe. Ninguém está aqui seja pelos DJs, seja pelos comediantes, seja pelas estrelas do YouTube que se apresentam. As participantes estão aqui pelas garotas. Caminhoneiras, femininas, velhas, novas, gold stars, bissexuais, negras, brancas, largadas – o Dinah atrai um grupo muito diverso. Há uma sensação de liberdade e um acordo tácita de que o que acontece no Dinah fica no Dinah (a não ser que vá parar no Facebook).

“Mostrar os peitos é normal”, me contou Charlotte, 24 anos. “Mostram os peitos para mim direto.” Garotas aleatórias puxando outras para dentro de seus quartos de hotel também é bem comum. Em um ano, houve um pequeno terremoto em Palm Springs. Debbie, uma veterana do Dinah que bate cartão desde 1991, recorda-se que metade da água da piscina foi jogada para fora. A maioria das garotas estava bêbada demais para perceber ou se importar.

A sensação de permissividade é fortalecida pela paisagem desértica: parece que aconteceu algum tipo de apocalipse homossexual, e todos os homens e mulheres heterossexuais morreram.

Eu não vou mentir, é bom estar num espaço predominantemente feminino por alguns dias. Há um clima de camaradagem confortável; a impressão de que se é, de repente, um cidadão de primeira classe. Mas acho que isso vem mais da predominância queer do que da predominância de mulheres. Ninguém no Dinah torce por uma praga que acabe com todos os homens. Apesar do estereótipo da sapata que odeia machos, a maioria das lésbicas gosta dos homens (nós precisamos deles por perto para garantir que a gente não fique distraída demais). No Dinah, não se trata de separatismo; trata-se de celebração.
Trata-se também de uma celebração com muito pouca roupa. Parece que as roupas todas foram destruídas durante o tal apocalipse gay, porque ninguém veste muitas. Muitas optam por usar adesivos ou fitas para cobrir os mamilos ao invés da parte de cima do biquíni, e não dá pra não pensar que muitas delas vão se arrepender mais tarde (pensa como dói puxar um band-aid). Mas até aí, deve ter quem se arrependa de entrar na piscina. Há cílios postiços boiando na água, e eu não quero imaginar que outros fluidos corporais também estão misturados ali. Eu sei que não dá pra pegar sífilis na piscina, mas mesmo assim fico com um medinho.

Sífilis, aliás, não é algo que passa pela cabeça da maioria das lésbicas conforme elas vão acumulando conquistas amorosas no Dinah (“Nunca se comprometa com a garota que você pegar no primeiro dia”, aconselhou uma garota, “as garotas do segundo dia são sempre melhores”). Nenhuma doença sexualmente transmissível, em geral, parece ser razão para preocupação. Minha hipótese, sem qualquer comprovação científica, é que o Dinah é tão devasso porque é muito muito difícil ficar grávida quando se dorme com outras mulheres, e também muitas lésbicas acreditam (erroneamente) que não há risco de se pegar DSTs. Com certeza não é algo de que se fala muito; muitos profissionais médicos não são treinados para falar com lésbicas sobre saúde sexual.

Outro fator que alimenta a devassidão, claro, é o fato de que as lésbicas raramente contam com tantas outras lésbicas para caçar. E, como bem diz qualquer economista, tende-se a ser muito mais descaradamente atirada quando se está num mercado saturado.
Falando de economia: as corporações finalmente despertaram para as altas margens de lucro presentes nas margens, e o Dinah tornou-se muito mais atraente para as marcas. Bacardi, Bud Lite, Smirnoff e Barefoot Wines são grandes patrocinadores do evento esse ano. A Bacardi e a Bud enviaram times de promotoras quase sem roupa (a maioria delas, heterossexuais) para distribuir brindes, posar para fotos e, de forma geral, tornarem-se um pouco lésbicas por dinheiro. Normalmente seria irritante tornar-se o alvo de tanta propaganda incessante, mas nesse caso isso é sinal de progresso. Ninguém é considerado um ser humano de verdade até ser reconhecida pelas grandes corporações.

O Dinah também começou a atrair nomes famosos. Katy Perry e o Pussycat Dolls já se apresentaram no festival. E, neste ano, Lagy Gaga apareceu rapidamente como convidada para ver sua amiga Katherine Moenning (conhecida pelas lésbicas do mundo todo como a Shane do seriado The L Word) fazer seu DJ set. As celebridades elevaram o status do Dinah e atraíram mais atenção das mídias tradicionais.

O site Vice está aqui esse ano, por exemplo, gravando um documentário. A produtora é lésbica, mas também é a primeira vez que ela vem para o Dinah, e ela parece meio assustada.

“Qual é a sua proposta?”, pergunto. “Bem, sabe como é, nós vamos mostrar esse mar de peitos e bundas”, ela diz, enquanto sua cinegrafista dá um zoom justamente nessas partes a passar, “e daí nós vamos mostrar por que é que isso realmente é relevante.” Ela para por um momento. “Até agora, no entanto, a gente só conseguiu filmar peitos e bundas mesmo.”

Mas não vamos subestimar os peitos e as bundas – elas todas têm uma importância toda própria. Como me disse CeeCee, 26 anos, novata no Dinah, muita gente não acha que as lésbicas de verdade (as lésbicas reais e humanas, não aquelas fantasias do pornô masculino) se divertem. “As pessoas acham que a gente fica sentada em casa com uns sapatos sem graça, lendo artigos feministas para nossos gatos”, reclama. Ser capaz de tirar a roupa no Dinah, então, é uma vivência empoderadora para muitas mulheres; é uma oportunidade de se acolher e celebrar suas sexualidades num espaço seguro.

Palm Springs: “Incentivando ser gay por dinheiro”
Apesar de que as grandes marcas só agora começaram a lutar pelo dinheiro das sapas, a cidade de Palm Springs há muito tempo reconhece os benefícios econômicos de se incentivar a diversidade. Ela tornou-se famosa na década de 1930, quando as estrelas enrustidas de Hollywood fugiam para o deserto para escapar da vigilância dos estúdios. Gente como Rock Hudson, Liberace, Greta Garbo, Joan Crawford e Marlene Dietrich passaram temporadas por aqui.

Hoje estima-se que metade da população de Palm Springs é homossexual, e ela tem a maior população gay per capita dos EUA, se não de todo o mundo. Ela também vem atraindo uma onda de interesse dos heterossexuais de Hollywood. Leonardo DiCaprio recentemente comprou uma casa de férias aqui: o Dinah Shore Palm Springs Estate.

Rob Moon, o prefeito declaradamente homossexual de Palm Springs, contou-me que “agora, mais do que nunca, a cidade está passando por uma renascença tremenda, e o Dinah Shore Weekend vem sendo um grande motor econômico. Devemos uma gratidão sem fim à comunidade LGBT por ajudar Palm Springs a evoluir nessa cidade ultracool, estilosa e sofisticada que é hoje.”

Quanto ao fututo dos eventos lesbocêntricos, há uma tendência recente dos bares lésbicos fecharem. Muitos culpam, em parte, aplicativos como o Tinder, que faz com que os bares gays sejam menos essenciais para que homossexuais conheçam outros homossexuais. Outro responsável seriam as atitudes mais liberais da sociedade hoje; não há tanta necessidade de um espaço gay se todos os espaços são mais inclusivos.

Será que a próxima geração de lésbicas vai sentir a mesma necessidade de uma festa longa só de mulheres? Mariah Hanson, fundadora do Dinah, com certeza pensa que sim. “Sempre há a necessidade dos homossexuais de se reunirem e congregar”, afirma. “Nossa cultura é única… nós não fazemos parte da cultura heterossexual. O Dinah é e sempre foi cinco dias de uma celebração incrivelmente mágica em nossas vidas. Se a ONU prestasse atenção no que está acontecendo no Dinah, nós poderíamos mudar o mundo de maneira enorme. As pessoas deixariam as diferenças de lado e voltariam para a casa transformadas”.

Eu não sei se Ban Ki-moon realmente deveria fazer com que o conselho de segurança saísse por aí de biquíni e ficasse passando a mão na bunda uns dos outros. No entanto, sem dúvida há algo afirmativo e catártico nesse evento. Como disse Leah, uma DJ de Boston: “É como nossas faculdades deveriam ter sido”.

Também é um lembrete do quanto que os homossexuais de hoje devem às gerações anteriores. Houve uma longa luta pelo nosso direito de fazer a festa, e ela ainda não chegou ao fim. Eu voltei do Dinah numa manhã de terça-feira; no mesmo dia, o governador do Mississippi sancionou uma lei que tornava legal a discriminação contra casais homossexuais. Ainda há um tanto a se caminhar antes de podermos festejar de verdade.

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