20 mil
lésbicas no deserto: conheça o festival Dinah, um mundo sem homens
13/abril/2016
Ele já
foi um campeonato de golfe. Agora, em sua 26a. edição, durante cinco dias o
festival para lésbicas Dinah oferece para suas participantes um espaço sem
homens e sem pudores
Traduzido
da reportagem de Arwa Mahdawi
para o jornal The Guardian
Todo ano, no final de março, 20
mil lésbicas de todo o mundo voam para o deserto californiano em busca de cinco
dias de devassidão, e eu sou uma delas. Esta é a segunda vez que eu vou para Dinah,
também conhecido como o maior festival de mulheres do mundo. Eu
estou no Hilton de Palm Springs, onde vão acontecer as famosas pool parties
da Dinah, e o hotel parece um harém homossexual.
É uma experiência surreal: por
alguns dias, o mundo fica de pernas para o ar, a minoria de repente é a
maioria. Para onde quer que você olhe, as lésbicas estão sorrindo, bebendo,
dançando, beijando. Há alguns homens por perto – funcionários trabalhando no
evento e caras que foram arrastados como acompanhantes por amigas lésbicas –
mas eles são difíceis de encontrar. O público presente formado por lésbicas
quase na totalidade.
A festa tem esse nome por causa
do torneio de golfe Dinah Shore, que em 1972 teve sua primeira edição,
inaugurada pela artista de mesmo nome. Dinah Shore não era homossexual (e se
reviraria em seu túmulo se soubesse a que seu nome está associado hoje em dia),
mas o golfe parece atrair muitas lésbicas. A cena sáfica brotou em torno do
torneio de golfe, e o Dinah nasceu. O festival está agora em seu 26o. ano.
Hoje em dia, ninguém mais está
presente por causa do golfe. Ninguém está aqui seja pelos DJs, seja pelos
comediantes, seja pelas estrelas do YouTube que se apresentam. As participantes
estão aqui pelas garotas. Caminhoneiras, femininas, velhas, novas, gold
stars, bissexuais, negras, brancas, largadas – o Dinah atrai um grupo muito
diverso. Há uma sensação de liberdade e um acordo tácita de que o que acontece
no Dinah fica no Dinah (a não ser que vá parar no Facebook).
“Mostrar os peitos é normal”, me
contou Charlotte, 24 anos. “Mostram os peitos para mim direto.” Garotas aleatórias
puxando outras para dentro de seus quartos de hotel também é bem comum. Em um
ano, houve um pequeno terremoto em Palm Springs. Debbie, uma veterana do Dinah
que bate cartão desde 1991, recorda-se que metade da água da piscina foi jogada
para fora. A maioria das garotas estava bêbada demais para perceber ou se
importar.
A sensação de permissividade é
fortalecida pela paisagem desértica: parece que aconteceu algum tipo de
apocalipse homossexual, e todos os homens e mulheres heterossexuais morreram.
Eu não vou mentir, é bom estar
num espaço predominantemente feminino por alguns dias. Há um clima de
camaradagem confortável; a impressão de que se é, de repente, um cidadão de
primeira classe. Mas acho que isso vem mais da predominância queer do que da
predominância de mulheres. Ninguém no Dinah torce por uma praga que acabe com
todos os homens. Apesar do estereótipo da sapata que odeia machos, a maioria
das lésbicas gosta dos homens (nós precisamos deles por perto para garantir que
a gente não fique distraída demais). No Dinah, não se trata de separatismo;
trata-se de celebração.
Trata-se também de uma celebração
com muito pouca roupa. Parece que as roupas todas foram destruídas durante o
tal apocalipse gay, porque ninguém veste muitas. Muitas optam por usar adesivos
ou fitas para cobrir os mamilos ao invés da parte de cima do biquíni, e não dá
pra não pensar que muitas delas vão se arrepender mais tarde (pensa como dói
puxar um band-aid). Mas até aí, deve ter quem se arrependa de entrar na
piscina. Há cílios postiços boiando na água, e eu não quero imaginar que outros
fluidos corporais também estão misturados ali. Eu sei que não dá pra pegar
sífilis na piscina, mas mesmo assim fico com um medinho.
Sífilis, aliás, não é algo que
passa pela cabeça da maioria das lésbicas conforme elas vão acumulando
conquistas amorosas no Dinah (“Nunca se comprometa com a garota que você pegar
no primeiro dia”, aconselhou uma garota, “as garotas do segundo dia são sempre
melhores”). Nenhuma doença sexualmente transmissível, em geral, parece ser
razão para preocupação. Minha hipótese, sem qualquer comprovação científica, é
que o Dinah é tão devasso porque é muito muito difícil ficar grávida quando se
dorme com outras mulheres, e também muitas lésbicas acreditam (erroneamente)
que não há risco de se pegar DSTs. Com certeza não é algo de que se fala muito;
muitos profissionais médicos não são treinados para falar com lésbicas sobre
saúde sexual.
Outro fator que alimenta a
devassidão, claro, é o fato de que as lésbicas raramente contam com tantas
outras lésbicas para caçar. E, como bem diz qualquer economista, tende-se a ser
muito mais descaradamente atirada quando se está num mercado saturado.
Falando de economia: as
corporações finalmente despertaram para as altas margens de lucro presentes nas
margens, e o Dinah tornou-se muito mais atraente para as marcas. Bacardi, Bud
Lite, Smirnoff e Barefoot Wines são grandes patrocinadores do evento esse ano.
A Bacardi e a Bud enviaram times de promotoras quase sem roupa (a maioria
delas, heterossexuais) para distribuir brindes, posar para fotos e, de forma
geral, tornarem-se um pouco lésbicas por dinheiro. Normalmente seria irritante
tornar-se o alvo de tanta propaganda incessante, mas nesse caso isso é sinal de
progresso. Ninguém é considerado um ser humano de verdade até ser reconhecida
pelas grandes corporações.
O Dinah também começou a atrair
nomes famosos. Katy Perry e o Pussycat Dolls já se apresentaram no festival. E,
neste ano, Lagy Gaga apareceu rapidamente como convidada para ver sua amiga
Katherine Moenning (conhecida pelas lésbicas do mundo todo como a Shane do
seriado The L Word) fazer seu DJ set. As celebridades elevaram o status
do Dinah e atraíram mais atenção das mídias tradicionais.
O site Vice está aqui esse
ano, por exemplo, gravando um documentário. A produtora é lésbica, mas também é
a primeira vez que ela vem para o Dinah, e ela parece meio assustada.
“Qual é a sua proposta?”,
pergunto. “Bem, sabe como é, nós vamos mostrar esse mar de peitos e bundas”,
ela diz, enquanto sua cinegrafista dá um zoom justamente nessas partes a
passar, “e daí nós vamos mostrar por que é que isso realmente é relevante.” Ela
para por um momento. “Até agora, no entanto, a gente só conseguiu filmar peitos
e bundas mesmo.”
Mas não vamos subestimar os peitos
e as bundas – elas todas têm uma importância toda própria. Como me disse
CeeCee, 26 anos, novata no Dinah, muita gente não acha que as lésbicas de
verdade (as lésbicas reais e humanas, não aquelas fantasias do pornô masculino)
se divertem. “As pessoas acham que a gente fica sentada em casa com uns sapatos
sem graça, lendo artigos feministas para nossos gatos”, reclama. Ser capaz de
tirar a roupa no Dinah, então, é uma vivência empoderadora para muitas
mulheres; é uma oportunidade de se acolher e celebrar suas sexualidades num
espaço seguro.
Palm
Springs: “Incentivando ser gay por dinheiro”
Apesar de que as grandes marcas
só agora começaram a lutar pelo dinheiro das sapas, a cidade de Palm Springs há
muito tempo reconhece os benefícios econômicos de se incentivar a diversidade.
Ela tornou-se famosa na década de 1930, quando as estrelas enrustidas de
Hollywood fugiam para o deserto para escapar da vigilância dos estúdios. Gente
como Rock Hudson, Liberace, Greta Garbo, Joan Crawford e Marlene Dietrich passaram
temporadas por aqui.
Hoje estima-se que metade da
população de Palm Springs é homossexual, e ela tem a maior população gay per
capita dos EUA, se não de todo o mundo. Ela também vem atraindo uma onda de
interesse dos heterossexuais de Hollywood. Leonardo DiCaprio recentemente
comprou uma casa de férias aqui: o Dinah Shore Palm Springs Estate.
Rob Moon, o prefeito
declaradamente homossexual de Palm Springs, contou-me que “agora, mais do que
nunca, a cidade está passando por uma renascença tremenda, e o Dinah Shore
Weekend vem sendo um grande motor econômico. Devemos uma gratidão sem fim à
comunidade LGBT por ajudar Palm Springs a evoluir nessa cidade ultracool,
estilosa e sofisticada que é hoje.”
Quanto ao fututo dos eventos
lesbocêntricos, há uma tendência recente dos bares lésbicos fecharem. Muitos
culpam, em parte, aplicativos como o Tinder, que faz com que os bares gays
sejam menos essenciais para que homossexuais conheçam outros homossexuais.
Outro responsável seriam as atitudes mais liberais da sociedade hoje; não há
tanta necessidade de um espaço gay se todos os espaços são mais inclusivos.
Será que a próxima geração de
lésbicas vai sentir a mesma necessidade de uma festa longa só de mulheres?
Mariah Hanson, fundadora do Dinah, com certeza pensa que sim. “Sempre há a
necessidade dos homossexuais de se reunirem e congregar”, afirma. “Nossa
cultura é única… nós não fazemos parte da cultura heterossexual. O Dinah é e
sempre foi cinco dias de uma celebração incrivelmente mágica em nossas vidas.
Se a ONU prestasse atenção no que está acontecendo no Dinah, nós poderíamos
mudar o mundo de maneira enorme. As pessoas deixariam as diferenças de lado e
voltariam para a casa transformadas”.
Eu não sei se Ban Ki-moon
realmente deveria fazer com que o conselho de segurança saísse por aí de
biquíni e ficasse passando a mão na bunda uns dos outros. No entanto, sem
dúvida há algo afirmativo e catártico nesse evento. Como disse Leah, uma DJ de
Boston: “É como nossas faculdades deveriam ter sido”.
Também é um lembrete do quanto
que os homossexuais de hoje devem às gerações anteriores. Houve uma longa luta
pelo nosso direito de fazer a festa, e ela ainda não chegou ao fim. Eu voltei
do Dinah numa manhã de terça-feira; no mesmo dia, o governador do Mississippi
sancionou uma lei que tornava legal a discriminação contra casais homossexuais.
Ainda há um tanto a se caminhar antes de podermos festejar de verdade.
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