Martinho
da Vila recebe título de doutor honoris causa da UFRJ
- 31/10/2017 21h18
- Rio de Janeiro
Cristina
Indio do Brasil - Repórter da Agência Brasil
Martinho José Ferreira, o
Martinho da Vila, cantor, compositor, músico, escritor, poeta e defensor da
cultura negra, é também, a partir de hoje (31), doutor honoris causa,
título concedido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a partir de
uma proposta apresentada pelo Departamento de Letras Vernáculas da Faculdade de
Letras.
O título aprovado pelo Conselho
Universitário indica que o artista “tornou-se um mediador entre a cultura
popular e a erudita, por suas qualidades biculturais de mestre popular e de
ídolo da indústria cultural, o que potencializou sua atuação na promoção da
cultura popular e na militância contra o racismo na sociedade brasileira”.
Com uma atuação em tantos campos,
nada mais natural que todos estivessem representados na sessão solene do
Conselho Universitário da UFRJ, no prédio da Faculdade de Letras, na Ilha do
Fundão, zona norte do Rio. Desde integrantes da velha guarda e da ala de
baianas da Unidos de Vila Isabel, a escola de samba do coração de Martinho, a
representes das letras, da música e da comunidade negra, todos queriam prestar
homenagem ao cantor e compositor. “Para nós, é uma alegria muito grande ver um
parceiro nosso, amigo receber esse título. Adorei ver isso”, disse o compositor
Manuel Silva, de 71 anos, componente da velha guarda.
Para a integrante da ala de
baianas da Vila, Ivonete da Silveira, de 63 anos, foi “excelente” poder ver o
reconhecimento de Martinho, que segundo ela, é uma figura importante da escola.
A baiana lembrou que é sempre uma emoção desfilar com um samba de autoria dele.
“É uma emoção. O coração começa a bater mais forte. A mente fica sem saber o
que pensar”, contou, acrescentando, que melhora se vier acompanhado de um
campeonato da escola. “Aí fica tudo melhor, fica tudo bem”, disse sorrindo.
Saiba Mais
Entre os parentes, uma pessoa em
especial: dona Elza, a irmã mais velha, que aos 90 anos fez questão de
comparecer à cerimônia de entrega do título. E Martinho ficou feliz com a
presença dela. “Foi uma surpresa para mim que a substituta da minha mãe, a
número 1, como a gente chama, saiu lá de Curicica [bairro da zona oeste] e veio
aqui, a Elza, representando toda a minha família”, revelou apontando para a
irmã, que estava sentada na primeira fila.
Depois da cerimônia, emocionada,
dona Elza falou de Martinho, que para ela é mais que um irmão. “Eu criei ele.
Foi criado aqui na minha mão. Trabalhamos muito para criar ele. Ele estudou.
Tenho ele como um filho. É uma alegria. Nunca pensei em chegar aos 90 anos”.
Martinho destacou ainda, entre os
presentes, o babalaô Ivanir dos Santos e a professora Helena Teodoro, que
lançaram a indicação para que ele recebesse o título aprovado por unanimidade
pelos colegiados da UFRJ. “Hoje, para mim, é um dia de graça”, apontou o
artista.
Na saudação ao homenageado, a
professora Carmen Tindó, que apresentou a proposta de concessão do título a
Martinho no Conselho Universitário, destacou que a cultura negra está sempre
representada nas músicas do artista. Ela lembrou ainda que o artista sempre se
posicionou politicamente, inclusive no período da ditadura, como no samba
enredo Sonho de um sonho. “E eu cito: 'Sonhei que estava sonhando um
sonho sonhado. Um sonho de um sonho magnetizado. As mentes abertas, sem bicos
calados. Juventude alerta e seres alados'. É clara neste fragmento citado, a
mensagem poética que sonha um país sem censura”, apontou.
O reitor Roberto Leher afirmou
que ter um intelectual do porte de Martinho da Vila nos quadros da UFRJ é muito
importante para a afirmação da juventude negra, que tem conseguido cada vez
mais espaço na universidade por meio de políticas públicas como as cotas. “É
muito importante que esta instituição possa acolher esta juventude, e acolher
naquilo que podemos dar de melhor, que é o conhecimento”, disse.
O homenageado está bem consciente
dessa referência, não só para a juventude negra, mas para a sociedade
brasileira. “É um título que tem muita representatividade e muito significado.
Então, aumenta muito a responsabilidade. Não posso abandonar a luta e dizer
agora vou descansar. Não posso. E também honrar essa universidade. Eu tenho uma
certa presença por aqui e eles sentem que sou parte da turma, mas é uma emoção
só”, afirmou, depois da cerimônia cercado de amigos.
“São tantos amigos e de várias
áreas. Foi uma sessão solene acadêmica que era bem mista. Velha guarda da Vila
Isabel, gente da Portela, músicos, artistas, intelectuais. Tudo misturado”. A
cerimônia, que tinha começado com o Hino Nacional cantado por Martinho
da Vila e, em alguns trechos, com acompanhamento próximo do samba, terminou com
um show do grupo de se apresenta com o cantor pelo mundo afora.
Edição: Davi
Oliveira