Partícula
criada em reação nuclear no Sol rende Nobel a físicos
RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
06/10/2015 06h59 - Atualizado às 08h32
O Prêmio Nobel da Física de 2015 foi concedido ao
japonês Takaaki Kajita e ao canadense Arthur McDonald por terem mostrado que o
neutrino tem massa, ao contrário do que se acreditava por muitos anos.
Neutrinos são partículas subatômicas sem carga
elétrica –daí o seu nome. Se os neutrinos têm massa, isso significa que há uma
significativa interação gravitacional entre eles e o resto do Universo. Foi o
que Kajita e McDonald, trabalhando em diferentes detectores de partículas,
mostraram no fim da década de 1990 e começo dos anos 2000.
O neutrino é a segunda partícula mais abundante do
Universo, perdendo apenas para o fóton, as partículas de luz. A todo segundo,
bilhões de neutrinos cruzam o seu corpo.
Até por isso, e ainda mais sabendo que eles têm
massa, são candidatos a constituintes da matéria escura, que representa 85% da
matéria do Universo e interage gravitacionalmente com os objetos visíveis, mas
que ninguém sabe direito o que é.
"A descoberta mudou nosso entendimento da
matéria e pode se mostrar crucial na nossa visão do Universo", apontou a
comissão sueca responsável pelo Nobel.
Não confunda o neutrino com o nêutron, partícula
presente no núcleo dos átomos. Reações nucleares no interior do Sol são grandes
criadoras de neutrinos –a maior parte das partículas que chegam à Terra têm
essa origem. Neutrinos também foram criados com o Big Bang e, na Terra, surgem
em usinas nucleares e, em menor escala, até dentro do corpo humano, pela
atividade radioativa do potássio.
O neutrino já esteve ligado a vários ganhadores de
prêmios Nobel. Na década de 1930, o primeiro a especular sobre a sua existência
foi o austríaco Wolfgang Pauli, laureado em 1945. O italiano Enrico Fermi, que
ganhou o Nobel em 1938, foi quem formulou a teoria que estabelecia a relação
entre o neutrino e outras partículas. Em 1956, o americano Frederick Reines foi
um dos responsáveis pela demonstração experimental da existência do neutrino
–ele ganhou o prêmio de 1995.
Jonathan
Nackstrand/AFP
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Telão
mostra o japonês Takaaki Kajita e o canadense Arthur McDonald, ganhadores do
Nobel de física
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SABORES
Os pesquisadores descobriram que o neutrino tem
massa a partir de um problema: as teorias da física previam que uma determinada
quantidade de neutrinos deveria chegar à Terra a partir do Sol, mas os nossos
detectores só recebiam um terço desse valor.
Quem estaria roubando os neutrinos no meio do
caminho? A resposta passa pela constatação de que há três tipos de neutrino. Os
físicos curiosamente chamam os diferentes modelos de "sabores". São
eles: o neutrino do elétron, o neutrino do múon e o neutrino do tau.
O que se sabia era que o Sol produzia apenas o
primeiro tipo, o neutrino do elétron, e era esse "sabor" específico
que os detectores estavam procurando.
A sacada foi imaginar que talvez, no caminho, os
neutrinos do elétron estivessem se transformando em outros tipos de neutrino,
não sendo assim enxergados pelos detectores. Sacada um tanto ousada, porque tal
transformação só poderia acontecer, mostravam os modelos teóricos dos físicos,
se os neutrinos tivessem massa, o que ainda não era aceito.
Dois grandes detectores no Japão e no Canadá,
liderados por Kajita e McDonald, demonstraram que estávamos recebendo neutrinos
do Sol de sabores que não eram produzidos nas reações nucleares desse astro. Ou
seja, havia mudança de sabor no caminho –fenômeno que ficou conhecido como
"oscilação de neutrino". Se há tal mudança, fica estabelecido que o
neutrino tem massa.
DETECTORES
O detector de Super-Kamiokande começou a funcionar
em 1996, dentro de uma antiga mina de zinco a 250 km de Tóquio. Já o
Observatório de Neutrinos de Sudbury, no Canadá, construído dentro de uma mina
de níquel, entrou em operação em 1999.
Esses detectores são feitos dentro da Terra para
minimizar o ruído que outras partículas poderiam causar nas detecções –o
neutrino atravessa grandes massas rochosas sem problemas. O Super-Kamiokande,
por exemplo, está a mais de mil metros abaixo da superfície.
A essa profundidade, há um imenso tanque de água
puríssima, de 40 metros de altura por 40 metros de comprimento –muito maior do
que uma piscina olímpica. Bilhões de neutrinos atravessam tal tanque por
segundo, e a grande maioria passa direto sem nem ser percebida.
O divertido é que, aqui e ali, alguns neutrinos
esbarram com um núcleo atômico ou com um elétron presente na água. Aí a magia
acontece: esse encontrão emite um flash de luz, conhecido como luz de
Cherenkov.
Os cientistas entendem tudo da luz de Cherenkov –o
tanque japonês tem mais de 11 mil detectores, por todos os lados do tanque,
prontos para medir esses flashs. A partir do seu formato e intensidade, é
possível saber qual "sabor" de neutrino passou por ali e de onde ele
estava vindo antes da colisão.
A partir da operação dos detectores no Japão e no
Canadá, ficou demonstrado que não era que os neutrinos estavam desaparecendo no
caminho entre o Sol e a Terra. Eles apenas estavam mudando de "sabor"
–e equipamentos adequados poderiam detectar isso.
Não se sabe ainda qual é exatamente a massa do
neutrino. Só se sabe que é muito pequena.
NOBEL
Os físicos dividirão um prêmio de 8 milhões de coroas
suecas, que equivalem a R$ 3,8 milhões. O dinheiro provém de um fundo deixado
pelo patrono do prêmio, Alfred Nobel (1833-1896), inventor da dinamite. Os
prêmios são distribuídos desde 1901.
Na segunda-feira (5), foi concedido o Prêmio Nobel da Medicina ou Fisiologia. O
irlandês William Campbell e o japonês Satoshi Omura foram premiados por criarem
novas terapias contra verminoses; a chinesa Youyou Tu, por seu trabalho contra
a malária.
Nesta quarta-feira (7), serão divulgados os nomes
dos ganhadores do prêmio na área de química.
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