sábado, 26 de dezembro de 2015

O cinema brasileiro e seu preconceito

Cinema negro no Brasil é protagonizado por mulheres, diz pesquisadora
  • 26/12/2015 08h27
  • Rio de Janeiro
Isabela Vieira - Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - Historiadora e coordenadora do Fórum Itinerante de Cinema Negro (Ficine) Janaína OliveiraFernando Frazão / Agência Brasil 


Com quatro sessões lotadas no prestigiado Cinema Odeon – incluindo a primeira lotação para 600 pessoas após reforma da casa, no centro do Rio de Janeiro –, o filme Kbela, de Yasmin Thainá, é um dos mais importantes representantes de uma leva de produções feitas por realizadoras negras que ganharam o mundo em 2015. São narrativas que contam com mulheres negras na direção, na produção e como protagonistas, em um terreno onde elas costumam ser estereotipadas.

Levantamento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), feito em 2014, já apontava para a subrrepresentação da mulher negra no cinema nacional. Para a professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e doutora em história, Janaína Oliveira, Kbela rompeu essa lógica em 2015.

Coordenadora do Fórum Itinerante de Cinema Negro (Ficine), um espaço de formação e reflexão sobre a produção de realizadores negros, Janaína afirma que Kbela não está sozinho.

Segundo a pesquisadora, que em 2015 circulou por festivais em países como Burkina Fasso, Cabo Verde e Cuba discutindo e divulgando essas produções, os filmes das realizadoras negras brasileiras alcançaram qualidade internacional e já são uma referência, embora pouco conhecidos no próprio país. 

A professora, que é curadora do Festival Panafricano de Cinema e Televisão de Ouagadougou (Fespaco), o maior de todo o continente, recebeu a Agência Brasil em seu apartamento, em Santa Teresa, para conversar sobre a repercussão dessas produções brasileiras. Para ela, o cinema negro é um campo político, de luta por representação e desconstrução de estereótipos.  
Leia os principais trechos da entrevista:

Agência Brasil: O que é o cinema negro?

Janaína Oliveira: O que eu venho dizendo, e as pessoas ficam chateadas, é que não dá para definir cinema negro. É um campo político, de luta por representação, de desconstrução de estereótipos, de tornar as representações mais complexas, de ampliação de representações nos espaços mais diversos. Há quem defina, eu não defini. Definir é limitar. O cinema negro tem toda uma história, que começa nos Estados Unidos, passa pela diáspora negra, caminha por vários lugares. Por exemplo, hoje, além do samba, carnaval e futebol, temos o estereótipo da violência na favela presente. [O filme] Cidade de Deus [ambientado em uma favela e com protagonistas negros] claramente não é cinema negro. A questão é: dá para fazer imagens contra-hegemônicas, que desconstroem o estereótipo dentro de um grande estúdio de cinema ou de uma grande rede de televisão? É difícil.

Agência Brasil: Qual foi sua primeira experiência com esse formato?
Janaína: Sempre gostei de cinema e muito de cinema africano. O primeiro filme africano que vi foi no festival de Cinema do Rio [de Janeiro], o Vida sobre a Terra, de Abderrahmane Sissako [diretor, escritor e cineasta da Mautiânia, autor de Timbuktu, longa-metragem que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2014 e a prêmio no Festival de Cannes no mesmo ano].

Agência Brasil: Quem está produzindo cinema negro hoje no Brasil?

Janaína: Antes é importante esclarecer que estamos falando de curta-metragens, falar de longa-metragem é outra coisa, são pouquíssimos os negros que fizeram filmes de longa-metragem de ficção na nova geração, aliás, fica a provocação. Nesse universo, onde as pessoas efetivamente produzem – seja com ajuda de editais, seja nas universidades –, o que temos, de filmes de expressão, que atingiram patamar de técnica e de qualidade são os filmes feitos por mulheres negras. E são várias.

Agência Brasil; Quais?

Janaína: São as produções de Renata Martins, que fez Aquém das Nuvens e agora está fazendo uma websérie fenomenal, a Empoderadas, que só fala de mulheres negras, tem a Juliana Vicente, que fez o Cores e botas e o Minas do Rap e está produzindo um filme sobre os Racionais MCs. Tem a Viviane Ferreira, que fez o Dia de Jerusa, que foi para [o Festival de] Cannes. Tem uma menina que está nos Estados Unidos, Eliciana Nascimento, autora de O tempo dos Orixás, tem Everlaine Morais, de Sergipe, que fez dois curtas muito bons e vai estudar cinema em Cuba. E do Tela Preta [coletivo de realizadoras negras ligado à Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)], a Larissa Fulana de Tal, que fez o Lápis de Cor e acabou de lançar o Cinzas. No Rio, o nome da vez é Yasmin Thayná, que está bombando com o Kbela. Um filmaço, no sentido da técnica e das referências. Quer mais?

Agência Brasil: Então há mais filmes com estética e cultura negra nos últimos anos?

Janaína: Nos últimos dez anos nos acostumamos a ver mais negros nas telas fazendo alguma coisa. Mas é pontualmente, fazendo algumas coisas. Ainda estamos presos a um universo de estereótipo. Que não é só o do bandido, o do cafetão, mas o da falta de complexidade das personagens. Os relacionamentos amorosos, os dilemas da vida, onde estão essas coisas? Não estão nas telas.

Agência Brasil: Qual a novidade nas produções brasileiras que você tem levado aos festivais?

Janaína: Uma coisa bacana é que nessa conexão com o continente africano, estamos redespertando debates. Em Moçambique, por exemplo, temos o retorno de que os vídeos sobre transição capilar (do cabelo alisado para o cabelo crespo, natural) tem ajudado mulheres e meninas de lá. Esses produtos, principalmente filmes disponíveis no Youtube, são feitos por meninas negras brasileiras. É quase uma rede de solidariedade. O audiovisual tem a capacidade de fazer isso.

Agência Brasil: E como aumentar a demanda por esse conteúdo no Brasil?

Janaína: A formação de público é uma questão central. Os filmes precisam ser vistos. Mas mostrar os filmes [em salas de cinema ou televisão] não é suficiente, se fosse, o problema estava resolvido. As pessoas não veem porque elas não gostam e mudar o gosto leva muito tempo. Enquanto você tem uma novela premiada como a Lado a Lado, da Rede Globo [que recebeu o Emmy Internacional em 2013], passando às 18h, em 50 anos da principal emissora de TV do país, você tem uma série como o Sexo e as Negas, em horário nobre com forte divulgação comercial e circulação.

Agência Brasil: Mas é preciso começar a estimular, não?

Janaína: Ainda vivemos em um contexto de imagens que precisamos desconstruir. O cinema é uma indústria, uma indústria de dinheiro que constrói imagens que querem ser vistas. Temos um padrão de cinema de Hollywood, daquilo que você espera ver. E esse padrão repete as estruturas de um universo eurocêntrico onde muito claramente está dividido o lugar das pessoas negras e brancas. Então, o que você vê, em geral, são negros e negras em situação de subserviência, nunca em destaque, sempre com atributos negativos. Isso está no universo da colonização da cultura, do gosto, da estética. É a mesma razão para a gente falar: a coisa está preta quando a situação é negativa, por que denegrir é uma coisa ruim? Por que usar “a coisa fica preta” é ruim? A gente não inventou isso, a gente reproduz isso e isso está nas telas. O cinema que existe é um cinema eurocêntrico que determina padrões estéticos, narrativos, rítmicos e musicais. Se não é isso, pessoas não gostam. Os filmes brasileiros de sucesso, como Tropa de Elite, seguem esse padrão. 

Agência Brasil: E o que é preciso fazer?

Janaína: Formar redes de distribuição desses filmes. Se possível, junto com debates. É ir além da exibição. As novas imagens têm que chegar nas salas de aula, criar aderência. Além de mais editais, mais parcerias e a presença do Estado, que facilita a produção e a circulação.
Edição: Lílian Beraldo


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Precisamos de paz entre homem e mulher, entre pessoas

Violência contra mulher não é só física; conheça outros 10 tipos de abuso
Violência de gênero
Controlar financeiramente, expor vida íntima e forçar atos sexuais desagradáveis são casos previstos pela Lei Maria da Penha
por Portal BrasilPublicado: 07/12/2015 02h48Última modificação: 07/12/2015 15h57





A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) é a principal legislação brasileira para a enfrentar a violência contra a mulher. A norma é reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência de gênero.
Além da Lei Maria da Penha, a Lei do Feminicídio, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 2015, colocou a morte de mulheres no rol de crimes hediondos e diminuiu a tolerância nesses caso.
Mas o que poucos sabem é que a violência doméstica vai muito além da agressão física ou do estupro.  A Lei Maria da Penha classifica os tipos de abuso contra a mulher nas seguintes categorias: violência patrimonial, violência sexual, violência física, violência moral e violência psicológica.
Conheça algumas formas de agressões que são consideradas violência doméstica no Brasil:
1: Humilhar, xingar e diminuir a autoestima
Agressões como humilhação, desvalorização moral ou deboche público em relação a mulher constam como tipos de violência emocional.

2: Tirar a liberdade de crença
Um homem não pode restringir a ação, a decisão ou a crença de uma mulher. Isso também é considerado como uma forma de violência psicológica.

3: Fazer a mulher achar que está ficando louca
Há inclusive um nome para isso: o gaslighting. Uma forma de abuso mental que consiste em distorcer os fatos e omitir situações para deixar a vítima em dúvida sobre a sua memória e sanidade.

4: Controlar e oprimir a mulher
Aqui o que conta é o comportamento obsessivo do homem sobre a mulher, como querer controlar o que ela faz, não deixá-la sair, isolar sua família e amigos ou procurar mensagens no celular ou e-mail.

5: Expor a vida íntima
Falar sobre a vida do casal para outros é considerado uma forma de violência moral, como por exemplo vazar fotos íntimas nas redes sociais como forma de vingança.

6: Atirar objetos, sacudir e apertar os braços
Nem toda violência física é o espancamento. São considerados também como abuso físico a tentativa de arremessar objetos, com a intenção de machucar, sacudir e segurar com força uma mulher.

7: Forçar atos sexuais desconfortáveis
Não é só forçar o sexo que consta como violência sexual. Obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto ou repulsa, como a realização de fetiches, também é violência.

8: Impedir a mulher de prevenir a gravidez ou obrigá-la a abortar
O ato de impedir uma mulher de usar métodos contraceptivos, como a pílula do dia seguinte ou o anticoncepcional, é considerado uma prática da violência sexual. Da mesma forma, obrigar uma mulher a abortar também é outra forma de abuso.

9: Controlar o dinheiro ou reter documentos
Se o homem tenta controlar, guardar ou tirar o dinheiro de uma mulher contra a sua vontade, assim como guardar documentos pessoais da mulher, isso é considerado uma forma de violência patrimonial.
10: Quebrar objetos da mulher
Outra forma de violência ao patrimônio da mulher é causar danos de propósito a objetos dela, ou objetos que ela goste.
Fonte: Portal Brasil


sábado, 28 de novembro de 2015

Vai ver a violência domestica e a violência geral

Terapia de choque
11.11.2015 | Texto: Natacha Cortêz | Fotos: Gabriel Rinaldi,
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O psicanalista Contardo Calligaris fala de amor entre casais, dos perigos do desejo, de seu gosto por sarjetas e de violência, tema da nova temporada da série Psi.


Gabriel Rinaldi
O psicanalista Contardo Calligaris

Violência entre marido e mulher, entre detentas de um presídio feminino, entre mãe e filha, em sessões de exorcismo e sadomasoquismo. As diferentes formas de agressão em uma metrópole como São Paulo são a linha condutora da segunda temporada da série Psi, criada por Contardo Calligaris. O escritor e psicanalista assina o roteiro, junto com Thiago Dottori, dos dez episódios dirigidos por nomes como Laís Bodanzky, Tata Amaral e Alex Gabassi.

Na nova temporada da série, em exibição até dezembro no canal HBO Brasil, o protagonista Carlo Antonini (Emílio de Mello) volta a São Paulo depois de um ano na Itália e assume o cargo de coordenador clínico de uma ONG que ajuda vítimas de violência doméstica. O psicanalista e sua colega Valentina (Cláudia Ohana) vão dividir seu tempo entre o atendimento na ONG e os diferentes casos que cruzam seus caminhos.
À Tpm, Contardo falou sobre o processo criativo que nasce de sua experiência dentro e fora dos consultórios. "Meu olhar para o mundo vem do exercício como psicanalista há 35 anos. Cada protagonista de ficção em alguma medida é uma expansão de seu autor. Flaubert dizia que Madame Bovary era ele. Carlo Antonini tem dados biográficos que obviamente são meus", afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Violência doméstica

“A violência doméstica acontece em todas as classes sociais de maneira praticamente igual. Não é um ‘privilégio’ das classes menos favorecidas que vivem na favela, é algo que também existe na Oscar Freire ou na zona sul do Rio de Janeiro. Em média, a mulher é abusada 35 vezes antes de pedir ajuda. Isso significa que, para cada uma que consegue pedir ajuda na primeira vez que apanha, tem outra que apanha 70 vezes.”

"Em média, a mulher é abusada 35 vezes antes de pedir ajuda. Isso significa que, para cada uma que consegue pedir ajuda na primeira vez que apanha, tem outra que apanha 70 vezes"

Divulgação
Episódio sobre violência doméstica da segunda temporada da série

Amor e desilusão

“Existe uma relação direta entre a expectativa maluca que temos em relação ao casamento e a decepção e a violência com a qual reagimos ao desmoronamento dessas ilusões. Investimos uma expectativa ridícula no casamento. Amor e desejo são coisas totalmente distintas, que não se realizam simultaneamente. Porque você quer encontrar alguém com quem realizar os seus sonhos amorosos e sexuais, e ainda deseja que isso dure 20 anos? Desculpa, isso não existe.”

Monogamia

“Eu casei várias vezes. Acho a monogamia mais interessante do que ter muitas aventuras amorosas. Uma relação é uma coisa tão delicada que é mais interessante se dedicar a ela enquanto dure do que ter um monte de aventuras que, no geral, são bastante chatas e rasas. O problema é colocar no casamento todas as nossas expectativas. E forçar o outro a ser aquela coisa que você sempre quis, mesmo que isso não tenha nada a ver com ele. Deveríamos baixar nossas expectativas.”
"Investimos uma expectativa ridícula no casamento. Amor e desejo são coisas totalmente distintas, que não se realizam simultaneamente"

Agressão feminina

“Os números da violência feminina não são muito diferentes dos da masculina. O que muda é que a violência das mulheres contra os homens é quase sempre verbal; quando é física, é uma ameaça que dificilmente se concretiza. Já o resultado da violência masculina aparece nos prontos-socorros dos hospitais. Tem um relato clínico recente de uma mulher que persegue um homem ao redor da cama nupcial com uma faca na mão. Num dado momento, o homem reage com um tapa que estoura o tímpano da mulher. Ela chega no hospital com o ouvido sangrando. Se tivesse que medir onde começa a violência nessa história, diria: começa da mulher.”

Desejo e perigo

"Existe essa mentalidade dos anos 60 de que o desejo é legal e é ruim reprimi-lo. Mas, alerto, o desejo é um negócio perigoso e pode incluir um monte de coisas que não são saudáveis. Na primeira temporada de Psi, tinha um paciente de Carlo que era HIV positivo. Em um dado momento, ele diz que sabia quando tinha sido contaminado, mas que nunca tinha sentido nada tão forte quanto no momento em que estava transando sem proteção e sabia que aquele gozo o contaminaria. Isso é desejo. Os desejos têm a legitimidade do que vem do âmago, mas muitas vezes são impraticáveis e, em alguns casos, é bom que permaneçam dessa forma.”

Mães e filhas

"As relações entre mãe e filha são violentas porque são construí-das ao redor de uma tremenda rivalidade. Não existe uma relação desse tipo que seja pacífica; se existe, eu nunca vi. A filha está constantemente lidando com a ideia de que foi um pouco inadequada porque afinal a mãe teria preferido um menino. Quando ela cresce e se torna mulher, a competição é tremenda, inclusive na relação com os homens da família. Esse é um campo minado e relativamente pouco falado. Já a relação entre mãe e filho é totalmente pacificada. O filho tem sempre a impressão de que correspondeu a todas as expectativas maternas. Isso é um componente essencial da psicologia masculina. O homem é um pouco burro por causa disso. Mesmo quando todo mundo o manda à merda, ele se sente fortalecido porque ao menos para a mãe ele foi o presente supremo dos céus."
"Gostar de cidades sem gostar de sarjetas não funciona. Se você gosta de cidade, gosta de um pouco de ‘decadência’. Eu prefiro a rua Augusta à Oscar Freire"

Metrópoles latino-americanas

"O sucesso que Psi teve em outros países da América Latina, como Chile e México, mostra que a São Paulo que aparece na série pode ser qualquer metrópole latino-americana. Uma coisa moderna, mas que é sempre um pouco decadente. A violência é um componente dessas metrópoles. São cidades tremendamente sedutoras, porque têm sarjetas que se revelam com facilidade. E gostar de cidades sem gostar de sarjetas não funciona. Se você gosta de cidade, gosta de um pouco de ‘decadência’. Eu prefiro a rua Augusta à Oscar Freire."


Divulgação
O ator Emilio Mello (esq.) em cena do episódio sobre possessão demoníaca

Possessão demoníaca

"O nono episódio da segunda temporada de Psi trata de possessão demoníaca. Até cem anos atrás, a melhor explicação que as pessoas davam para doença mental era em termos de possessão. Isso é uma trivialidade na história da nossa relação com essas doenças. E ainda hoje acontece. A cada ano centenas de exorcismos são feitos em cidades como São Paulo. Acontecem na televisão à noite, nas igrejas evangélicas cheias de pessoas. Essa não é uma realidade tão longínqua da nossa."

De olhos bem fechados

“O décimo episódio de Psi é especial. Acho que conseguimos recriar uma festa sadomasoquista fiel à realidade. Porque até Stanley Kubrick foi ridículo quando filmou aquela cena em De olhos bem fechados. O diretor Alex Gabassi e eu passamos algumas noites em festas sadomasoquistas paulistanas. Todos os figurantes são praticantes do sadomasoquismo, não tem ninguém travestido ali. Foi difícil não sermos ridículos, mas acho que conseguimos. O espectador é quem dirá.”

Vai lá: Psi, segunda temporada – domingo, às 22h, no HBO Brasil


domingo, 15 de novembro de 2015

Novos materiais que revolucionam

Químicos criam dispositivo flexível que emite luz
Material à base de celulose bacteriana e óleo de mamona poderá ser usado na concepção de telas dobráveis e papéis eletrônicos
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE | Edição Online 14:45 12 de novembro de 2015



Foled de celulose bacteriana e poliuretano (à esq. acima) e substrato transparente à base do mesmo material (à esq. abaixo). À direita, representação artística da bactéria embebida em fios de celulose (abaixo) e representação do fruto da mamona, usada na produção da resina de poliuretana (acima)
A ideia de notebooks dobráveis e papéis eletrônicos flexíveis que poderiam ser usados em painéis publicitários, revistas, livros e jornais eletrônicos e cardápios de restaurantes, parece estar mais próxima de se tornar realidade. Em um estudo publicado em novembro na capa da revista Journal of Materials Chemistry C, pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (IQ-Unesp), do campus de Araraquara, e do Laboratório de Biopolímeros e Biomateriais do Centro Universitário de Araraquara (Uniara), ambas no interior de São Paulo, relatam o desenvolvimento de um substrato flexível à base de dois polímeros de fontes naturais: celulose produzida por bactérias e o poliuretano, obtido da síntese do óleo de mamona.

O material, cuja concepção contou com a colaboração de pesquisadores também do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), em São Carlos, do Inmetro e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), foi usado como suporte para a obtenção de um diodo flexível emissor de luz (Foled, na sigla em inglês), uma das mais promissoras tecnologias para vídeo e imagem. Os Foleds são uma resposta aos esforços para obtenção de um dispositivo eletrônico que combine as propriedades ópticas do papel, como alta refletividade, flexibilidade e contraste, com a capacidade dinâmica das telas digitais convencionais que equipam notebooks e telefones celulares, por exemplo. Outras aplicações possíveis incluem dispositivos na área médica, como lentes de contato e bandagem oftalmológica, além de sistemas para a liberação controlada de fármacos e embalagens biodegradáveis.

Em 2009, o grupo de pesquisadores, coordenado pelo químico Sidney Jose Lima Ribeiro, à época orientador de doutorado do químico Hernane Barud no Laboratório de Materiais Fotônicos do IQ-Unesp, desenvolveu um protótipo de Foled à base de um substrato de biocelulose, um tipo de papel com transparência superior a 90% na região visível do espectro eletromagnético (ver Pesquisa FAPESP nº 164).
O substrato desenvolvido pelos pesquisadores tem uma estrutura similar a um sanduíche, segundo Barud, hoje professor e pesquisador no Laboratório de Biopolímeros e Biomateriais (BioPolMat), no Centro Universitário de Araraquara-Uniara. “Ele é composto por uma série de filmes nanométricos com propriedades e funções específicas depositados sob um substrato de vidro”, diz. Suas vantagens, descritas no artigo publicado na Journal of Materials Chemistry C, consistem no fato de ele ser feito à base de celulose bacteriana e óleo de mamona, matéria prima abundante no Brasil que pode substituir fontes derivadas do petróleo.

As vantagens da celulose bacteriana, por sua vez, estão relacionadas ao fator ambiental — sua produção não gera resíduos tóxicos ao ambiente como acontece no método tradicional de produção de celulose. Essa celulose é produzida pela bactéria Gluconacetobacter xylinus na forma de mantas altamente hidratadas. A G. xylinus usa fontes de carbono para seu metabolismo e secreta nanofibras de celulose.

Projeto
Materiais híbridos multifuncionais a base de celulose bacteriana (nº 2014/24692-1);Modalidade Auxílio à Pesquisa – Pesquisador Visitante – Internacional;Pesquisador responsável Sidney José Lima Ribeiro (IQ-Unesp); InvestimentoR$ 45.756,20 (FAPESP).

Artigo científico BARUD, H. S et alTransparent composites prepared from bacterial cellulose and castor oil based polyurethane as substrates for flexible OLEDsJournal of Materials Chemistry C. v. 3, n. 44. P. 11557-774. nov. 2015.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

O novel e as mentes brilhantes



Partícula criada em reação nuclear no Sol rende Nobel a físicos
RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO
06/10/2015 06h59 - Atualizado às 08h32










O Prêmio Nobel da Física de 2015 foi concedido ao japonês Takaaki Kajita e ao canadense Arthur McDonald por terem mostrado que o neutrino tem massa, ao contrário do que se acreditava por muitos anos. 

Neutrinos são partículas subatômicas sem carga elétrica –daí o seu nome. Se os neutrinos têm massa, isso significa que há uma significativa interação gravitacional entre eles e o resto do Universo. Foi o que Kajita e McDonald, trabalhando em diferentes detectores de partículas, mostraram no fim da década de 1990 e começo dos anos 2000. 

O neutrino é a segunda partícula mais abundante do Universo, perdendo apenas para o fóton, as partículas de luz. A todo segundo, bilhões de neutrinos cruzam o seu corpo. 

Até por isso, e ainda mais sabendo que eles têm massa, são candidatos a constituintes da matéria escura, que representa 85% da matéria do Universo e interage gravitacionalmente com os objetos visíveis, mas que ninguém sabe direito o que é. 

"A descoberta mudou nosso entendimento da matéria e pode se mostrar crucial na nossa visão do Universo", apontou a comissão sueca responsável pelo Nobel. 

Não confunda o neutrino com o nêutron, partícula presente no núcleo dos átomos. Reações nucleares no interior do Sol são grandes criadoras de neutrinos –a maior parte das partículas que chegam à Terra têm essa origem. Neutrinos também foram criados com o Big Bang e, na Terra, surgem em usinas nucleares e, em menor escala, até dentro do corpo humano, pela atividade radioativa do potássio. 

O neutrino já esteve ligado a vários ganhadores de prêmios Nobel. Na década de 1930, o primeiro a especular sobre a sua existência foi o austríaco Wolfgang Pauli, laureado em 1945. O italiano Enrico Fermi, que ganhou o Nobel em 1938, foi quem formulou a teoria que estabelecia a relação entre o neutrino e outras partículas. Em 1956, o americano Frederick Reines foi um dos responsáveis pela demonstração experimental da existência do neutrino –ele ganhou o prêmio de 1995. 


Jonathan Nackstrand/AFP


Telão mostra o japonês Takaaki Kajita e o canadense Arthur McDonald, ganhadores do Nobel de física



SABORES
Os pesquisadores descobriram que o neutrino tem massa a partir de um problema: as teorias da física previam que uma determinada quantidade de neutrinos deveria chegar à Terra a partir do Sol, mas os nossos detectores só recebiam um terço desse valor. 

Quem estaria roubando os neutrinos no meio do caminho? A resposta passa pela constatação de que há três tipos de neutrino. Os físicos curiosamente chamam os diferentes modelos de "sabores". São eles: o neutrino do elétron, o neutrino do múon e o neutrino do tau. 

O que se sabia era que o Sol produzia apenas o primeiro tipo, o neutrino do elétron, e era esse "sabor" específico que os detectores estavam procurando. 

A sacada foi imaginar que talvez, no caminho, os neutrinos do elétron estivessem se transformando em outros tipos de neutrino, não sendo assim enxergados pelos detectores. Sacada um tanto ousada, porque tal transformação só poderia acontecer, mostravam os modelos teóricos dos físicos, se os neutrinos tivessem massa, o que ainda não era aceito. 

Dois grandes detectores no Japão e no Canadá, liderados por Kajita e McDonald, demonstraram que estávamos recebendo neutrinos do Sol de sabores que não eram produzidos nas reações nucleares desse astro. Ou seja, havia mudança de sabor no caminho –fenômeno que ficou conhecido como "oscilação de neutrino". Se há tal mudança, fica estabelecido que o neutrino tem massa. 

DETECTORES
O detector de Super-Kamiokande começou a funcionar em 1996, dentro de uma antiga mina de zinco a 250 km de Tóquio. Já o Observatório de Neutrinos de Sudbury, no Canadá, construído dentro de uma mina de níquel, entrou em operação em 1999. 

Esses detectores são feitos dentro da Terra para minimizar o ruído que outras partículas poderiam causar nas detecções –o neutrino atravessa grandes massas rochosas sem problemas. O Super-Kamiokande, por exemplo, está a mais de mil metros abaixo da superfície. 

A essa profundidade, há um imenso tanque de água puríssima, de 40 metros de altura por 40 metros de comprimento –muito maior do que uma piscina olímpica. Bilhões de neutrinos atravessam tal tanque por segundo, e a grande maioria passa direto sem nem ser percebida.
O divertido é que, aqui e ali, alguns neutrinos esbarram com um núcleo atômico ou com um elétron presente na água. Aí a magia acontece: esse encontrão emite um flash de luz, conhecido como luz de Cherenkov. 

Os cientistas entendem tudo da luz de Cherenkov –o tanque japonês tem mais de 11 mil detectores, por todos os lados do tanque, prontos para medir esses flashs. A partir do seu formato e intensidade, é possível saber qual "sabor" de neutrino passou por ali e de onde ele estava vindo antes da colisão. 

A partir da operação dos detectores no Japão e no Canadá, ficou demonstrado que não era que os neutrinos estavam desaparecendo no caminho entre o Sol e a Terra. Eles apenas estavam mudando de "sabor" –e equipamentos adequados poderiam detectar isso.

Não se sabe ainda qual é exatamente a massa do neutrino. Só se sabe que é muito pequena. 

NOBEL
Os físicos dividirão um prêmio de 8 milhões de coroas suecas, que equivalem a R$ 3,8 milhões. O dinheiro provém de um fundo deixado pelo patrono do prêmio, Alfred Nobel (1833-1896), inventor da dinamite. Os prêmios são distribuídos desde 1901. 

Na segunda-feira (5), foi concedido o Prêmio Nobel da Medicina ou Fisiologia. O irlandês William Campbell e o japonês Satoshi Omura foram premiados por criarem novas terapias contra verminoses; a chinesa Youyou Tu, por seu trabalho contra a malária. 

Nesta quarta-feira (7), serão divulgados os nomes dos ganhadores do prêmio na área de química.