Se
denúncia de delatores da JBS for comprovada, cabe impeachment de Temer, diz
jurista
BBC
BRASIL.com
Se ficar
comprovado que o presidente Michel Temer incentivou um dos donos da JBS,
Joesley Batista, a comprar o silêncio do ex-presidente da Câmara dos Deputados
Eduardo Cunha na prisão, esse fato configuraria crime de responsabilidade,
abrindo caminho para um impeachment.
Caso
Temer caia, eleição direta pode ser antecipada, avalia constitucionalista
Foto: Pr
/ BBCBrasil.com
Essa é a avaliação do
constitucionalista Oscar Vilhena Vieira, diretor da FGV Direito SP, ao analisar
as acusações noticiadas nesta quinta-feira pelo jornal O Globo - segundo
reportagem publicada no blog do jornalista Lauro Jardim, no site da publicação,
Batista gravou uma conversa em que Temer recomenda que ele mantenha pagamentos
a Cunha, que está preso pela operação Lava Jato em Curitiba.
"Desde que comprovado, esse
ato pode ser configurado como uma interferência no Poder Judiciário, que seria
crime de responsabilidade", disse Vilhena em entrevista à BBC Brasil.
O jurista também considera que os
fatos narrados pelo jornal O Globo, caso confirmados, podem ter impacto
político na ação que está pronta para ser julgada no Tribunal Superior
Eleitoral contra a eleição da chapa presidencial formada por Dilma Rousseff e
Temer em 2014.
O julgamento - que vai analisar
se a campanha cometeu ilegalidades como uso de caixa 2 e de recursos desviados
pela Petrobras - está marcado para ser retomado no início de junho.
Embora juridicamente não haja
relação entre eventual interferência na operação Lava Jato e a eleição de 2014,
Vilhena vê uma possível influência política na decisão do TSE.
"O TSE tem que tomar a
decisão se a eleição da Dilma e do Temer foi válida ou não. Ele pode perceber
que a crise favorece essa decisão (de considerar a eleição ilegal). Esse é o
problema, o peso político que o TSE vai levar em consideração para tomar essa
decisão", explicou.
Para
Vilhena, confiança no Congresso está muito baixa para vianilizar eventual
eleição indireta
Foto:
Divulgação/FGV Direito SP / BBCBrasil.com
Na sua avaliação, uma saída de
Temer, seja por renúncia, impeachment ou cassação no TSE, pode levar a
realização de eleição direta antecipada para presidente, por meio da aprovação
de uma emenda Constitucional pelo Congresso.
Confira abaixo a íntegra da
entrevista.
BBC Brasil - Se houver uma
renúncia de Michel Temer, como já passou mais da metade do mandato
presidencial, a Constituição determina que o presidente da Câmara, Rodrigo
Maia, assuma a Presidência e convoque eleições indiretas para presidente e
vice-presidente em 30 dias. Quem poderia concorrer nesse caso?
Oscar Vilhena Vieira - Qualquer
cidadão pode se candidatar. Esse é o caminho que está traçado pela
Constituição. Isso nunca ocorreu, nunca foi testado, então todo o procedimento
vai ter que ser conduzido pelo presidente da Câmara e, claramente, com
monitoramento do Supremo Tribunal Federal, que vai ser convocado a interferir e
normalmente decide.
BBC Brasil - E poderia ser uma
pessoa sem partido?
Vilhena - Olha, a
princípio sim, pois você não tem nenhuma regulação que impede uma candidatura
independente. É uma eleição que se dá entre as pessoas que tenham seus direitos
políticos em vigor e que tenha as condições exigidas para o cargo: ter mais de
35 anos e ser nacional (brasileiro).
BBC Brasil - No caso de ele não
renunciar, poderia haver um impeachment, que é um processo lento?
Vilhena - Sim, no
caso de não haver uma renúncia, se esse ato for comprovado, ao meu ver, ele
pode tanto ser configurável como crime de responsabilidade quanto como crime
comum.
Você tem que ter então
autorização da Câmara tanto para o presidente ser processado pelo Senado no
caso de crime de responsabilidade, ou ser processado pelo Supremo em caso de
crime comum. É um caminho.
BBC Brasil - Quais seriam os
crimes de responsabilidade e comum?
Vilhena - Desde que
comprovado, esse ato pode ser configurado como tentativa de obstrução de
Justiça, que seria crime comum, e como uma interferência no Poder Judiciário,
que seria crime de responsabilidade.
Não temos muita informação, mas,
claramente, se esse ato for comprovado, configura crime de responsabilidade,
sem dúvida nenhuma.
BBC Brasil - Por interferir em
outro Poder?
Vilhena - Isso. A
obstrução de Justiça, você e eu podemos fazer, por isso é um crime comum.
Agora, o presidente que interfere em outro Poder, eu e você não teríamos como
cometer esse ato. Essa seria a distinção.
BBC Brasil - Parece que a
gravação foi feita com a ciência da PGR. Nesse caso teria que ter autorização
do ministro do STF Edson Fachin para gravar uma conversa com o Presidente da
República?
Vilhena - Se a
gravação foi feita oficialmente (pela PGR), sem dúvida nenhuma seria necessária
uma autorização do juízo que tem competência, e o juízo que tem competência
(sobre o presidente Temer) é o Supremo Tribunal Federal.
Gravação
oficial de Temer demandaria autorização do STF
Foto: Pr
/ BBCBrasil.com
BBC Brasil - Agora, se o Batista
gravou sem orientação da PGR, por ideia dele, aí a prova pode ser legal mesmo
se ele gravou sem autorização do STF?
Vilhena - Sim, pois
nesse caso ele gravou sua própria conversa.
BBC Brasil - Pode haver uma
polêmica sobre se ele induziu o Temer a cometer crime, isso poderia ser
questionado?
Vilhena - Sim, tudo
isso é objeto que a defesa pode levantar. Mas a questão importante agora é se a
prova foi obtida de maneira legal ou não.
BBC Brasil - Qual poderia ser o
impacto dessas revelações na ação que está para ser julgada no TSE e pode
cassar Temer?
Vilhena - O
Tribunal Superior Eleitoral não tem jurisdição sobre esse tema. Uma coisa não
tem nada a ver com a outra do ponto de vista jurídico.
Mas, se a crise política se
agravar, evidente que isso pode impactar o modo como o TSE vai decidir. Mas aí
é uma contaminação política da decisão.
BBC Brasil - Ou seja, embora as
revelações da delação da JBS não tenham qualquer relação com a eleição de 2014,
elas podem enfraquecer muito Temer e levar o TSE a achar que é melhor cassá-lo?
Vilhena - O TSE tem
que tomar a decisão se a eleição da Dilma e do Temer foi válida ou não. Ele
pode perceber que a crise favorece essa decisão (de considerar a eleição ilegal).
Esse é o problema, o peso político que o TSE vai levar em consideração para
tomar essa decisão.
Eventual
saída de Temer colocaria Congresso em posição central
Foto: Ag.
Câmara / BBCBrasil.com
BBC Brasil - Por que se Temer
estiver, ao contrário, fortalecido, aumentariam as chances de os ministros
avaliarem com mais cautela a cassação?
Vilhena - Isso,
porque é uma crise política e econômica que certamente pesa sobre os juízes no
momento em que eles tomam a decisão.
BBC Brasil - No caso do TSE cassar
Temer, sabemos que há uma ação pronta para ser julgada no STF que poderia levar
à convocação de eleição direta, sob o argumento de que, se eleição de 2014 foi
ilegal, ela teria que ser refeita. No caso de renúncia ou impeachment, o
Congresso poderia aprovar uma emenda constitucional para realizar eleição
direta?
Oscar Vilhena - Sim, sem
dúvida nenhuma. Veja você tem um caminho que está estabelecido jurídico (na
Constituição para eleição indireta).
Agora, evidentemente que o país
está numa crise política muito aguda e o Congresso Nacional não tem sido objeto
de nenhuma confiança por parte da população.
Os padrões de confiança do
Congresso são muito baixos. Então, eu não tiro do cenário que a pressão popular
seja feita para que uma emenda das (eleições) diretas seja colocada.
BBC Brasil - Proposta de Emenda
Constitucional tem um trâmite mais lento. O senhor acha que em condições
excepcionais dá para agilizar?
Oscar Vilhena - Pode ser
demorado, mas pode ser rápido. No caso de haver uma vacância, eu não retiraria
do tabuleiro a possibilidade da sociedade demandar uma eleição direta, a
antecipação da eleição presidencial (prevista para 2018).
BBC Brasil - Se for confirmado
que ele incentivou que os donos da JBS comprassem o silêncio de Cunha, o senhor
acha que isso seria suficiente para ele sair?
Oscar Vilhena - A
informação precisa ser checada, avaliada. Evidente que os jornalistas checaram,
mas é um fato político que se colocou. Esse fato político precisa ser
comprovado para que ele possa ter seu desenrolar jurídico.